Seja bem-vindo a mais um post do Casa na Árvore! Caso goste do conteúdo, não deixe de interagir com ele! Este é o décimo terceiro episódio de “Um Djinn, O Diabo e Dave”. Esse é o último episódio da temporada.
Não vou mentir para você. Esses últimos dias foram difíceis, bem difíceis. Dizem que é impossível fugir dos seus problemas e que o máximo que fazemos é tomar distância, mas, quanto mais distância se toma, mais cansado você estará quando seus problemas inevitavelmente te alcançarem.
Bem, eu imagino que eu tenha corrido bem dos meus, pois foi necessário que um Djinn e o Diabo aparecessem para que eu voltasse a pensar em Beatriz. Foram dias de introspecção até que o Diabo viesse até mim em um mau momento.
— Dave, por que você está tão quieto por esses dias?
— Eu ando refletindo sobre meu último relacionamento, Diabo.
— Pois então pare. Os astros se alinharam e há uma lua de sangue no céu, se quisermos reconquistar o inferno, agora é a hora!
— Eu não estou no clima para reconquistar o inferno, Diabo, desculpa.
— Pois então fique, o tempo urge!
— Nós não podemos planejar um golpe no inferno outro dia?
— Outro dia?! Outro dia?! Você sabe quanto tempo leva para os astros de alinharam e ter uma lua de sangue para que os portões do inferno se abram e o véu entre as dimensões se estreite? Cerca de um mês! Um mês, Dave, entende?!
— Isso nem é tanto tempo. Você sequer tem um plano?
— Quem precisa de um plano?
— Você precisa!
Caandris fecha a cara no mesmo instante.
— Vai tomar no cu, Dave. Eu esperava mais de um servo leal, você me desapontou.
— Não sou seu servo e nem tenho culpa nisso, Caandris. São suas as expectativas, por qual motivo seria minha a culpa?
— Foi isso que disse para sua ex quando ela te deixou?
Golpe baixo e certeiro. Por mais que eu esteja me sentindo como merda, é preciso reconhecer que argumentar contra o Diabo é algo que só os tolos fazem.
— Eu não quero mais conversar com você. — Respondo.
— Ótimo! — Caandris retruca. — Eu me lembrarei da sua ausência quando eu estiver no trono do inferno novamente.
Caandris se levanta e vai até à janela, abrindo suas asas para alçar voo, mas antes que ele parta, eu falo:
— Lembre-se também que foi sua pressa e sua ignorância que causou tudo isso!
Ele nem se importa e vai, desparecendo por entre as nuvens.
Por que parece que tudo de ruim acontece sempre ao mesmo tempo?
Minutos depois, Djinn entra no quarto cheirando à Old Fashioned e Fitzgeralds.
— Dia difícil?
— Você nem imagina.
— Algo que você possa mudar?
— Acho que não, Djinn.
— Então por que sofrer por isso?
— Porque sofrer é a única coisa que eu posso fazer, que tipo de conselho é esse?
— Mas não serve para nada.
— Não sofrer também não, eu só estaria mal e apático.
Djinn dá de ombros.
— Você quer ajuda?
— Conversar me ajudaria… — Respondo.
Djinn arfa, como se todo problema só pudesse ser resolvido por algo que pusesse um fim prático a eles, mas fica à postos mesmo assim.
— Você já teve um grande amor? — Puxo o assunto.
— O amor é um sentimento que torna a estupidez justificável, Dave. Acredito inclusive que não ter amado é o que em boa parte evitou que eu me tornasse um desses djinns que é aprisionado em algum momento. Um só pode ser tão grande quanto sua maior fraqueza.
— Bom, eu tive, exatamente um, Beatriz. Quando nos conhecemos ela disse que havia me visto jogando vôlei de praia na época da faculdade e disse para todas as outras meninas “eu vou namorar aquele homem”. E ela fez isso mesmo.
— Faculdade? Quanto tempo faz isso?
— Uns sete anos… — Respondo sem alegria nenhuma de ser lembrado da passagem do tempo.
— Quanto tempo o relacionamento durou?
— Cinco anos.
Djinn ri.
— O quê? — Pergunto.
— Você ama a memória que ela deixou há mais tempo que amou ela.
Outro soco, mas um soco esclarecedor que eu nunca pensei sobre e que me bota a pensar sobre isso, se eu ainda sabia como era amar Beatriz, ou se eu havia apenas me re-apaixonado à lembrança romantizada que eu tinha dela.
— De qualquer forma… — Continuo. — Eu sempre penso se realmente foi feito tudo o que podia ser feito para que ficássemos juntos e talvez ela tenha mudado, sabe?
— Você esqueceu da dor antiga que causou o término por conta da dor atual que te faz se sentir sozinho.
— Tem certeza de que você nunca amou?
— Eu sei das coisas, Dave, você não é o primeiro sofredor a procurar um Djinn.
— Mas você tem razão, as coisas entre nós não terminaram tão bem. Talvez seja isso que me faz pensar tanto nela… e eu pensei muito sobre o fim e tive conclusões sobre alguns problemas só depois que paramos de nos falar e eu sinto que não tivemos um final adequado, ou pelo menos a última conversa que eu merecia, entende?
— Isso não existe, Dave. Novamente, é o seu amor pela memória que te faz acreditar que você tem algo para falar para ela ou que você merecia outro desfecho. Aposto que houve dezenas de últimas conversas que resultaram em vocês dois reatando.
E realmente teve.
— O ponto é que conversa nenhuma no mundo poderia te dar um final diferente do final que você já teve, você falaria, ela ouviria e aí? Você perguntaria os motivos dela e o que isso mudaria no que já foi feito? A grande verdade desse mundo é que nem tudo o que merecemos acontece, e nem tudo o que acontece é merecido, as coisas acontecem porque vocês são criaturas pequenas tomando grandes decisões e nada vai mudar isso. Se quiser imaginar um mundo de mérito, imagine um mundo sem os humanos, aí sim teremos a perfeita sinergia entre causa e consequência.
Apesar de seus comentários não terem empatia e virem sempre de uma posição de soberba, não posso negar que ele tem razão. Lembrei daquele vídeo sobre a pessoa que é picada pela cobra e questiona a cobra porque ela fez isso, como se isso mudasse o que aconteceu. Mas eu ainda podia mudar alguma coisa, atenuar essa angústia.
— Eu ainda tenho um quarto desejo, não é?
Djinn me olha com severidade.
— Sim, você tem. Vai desejar um mundo sem humanos ou que sua ex-namorada reapareça para que tenham a conversa que você merece?
— Eu só quero saber se depois do término ela pensou em mim algum momento, Djinn. Esse é meu quarto desejo.
Djinn está com o rosto de quem vê um gol perdido ou um animal ferido. Ele inspira fundo e morde o próprio lábio.
— Tem certeza?
— Tenho.
— Pois bem, Dave. — Djinn fecha os olhos por um segundo e volta a abri-los. — Beatriz pensa em você de vez em quando, ela viveu um relacionamento há um mês onde o cara fez para ela exatamente o que ela fez para você e sempre que ela vê o livro que você deu para ela do Pequeno Príncipe após um ataque de pânico ela pensa: agora eu sei como Dave se sentia.
Assim que processo as palavras, entendo ainda mais o que Djinn disse sobre não mudar nada. A verdade é que eu nunca desejei o mal para ela mesmo após tudo, e saber que ela passou pelo mesmo só me traz um aperto no peito.
— Você precisa se curar, Dave, e isso eu não posso fazer por você. Acho que é hora de nos despedirmos e eu voltar para o deserto.
Incapaz de dizer algo, meu queixo tremula e meus olhos começam a arder. Eu choro como não choro há tempos.
— Adeus, Dave.
Djinn ergue o braço e prepara o estalo dos dedos, mas antes que ele possa completar o gesto, Sombrinha sobe feito uma serpente pelo braço dele e imobiliza suas mãos.
— O que é isso? Que merda?!
Eis que volta Caandris em sua forma original pela janela com uma urna de bronze em mãos, ele a abre e seus olhos brilham com uma luz roxa. Um redemoinho surge e Djinn é tragado para dentro. Ele até tenta lutar contra o Diabo fincando suas unhas no chão, mas acaba vencido. Djinn entra na urna e ela é fechada.
Meu choro é interrompido.
Assim que as coisas se acalmam, Caandris me olha e esfrega a urna. Vejo que ela tem formato de coruja e dessa vez Djinn sai preso por uma espécie de cauda através do bico da urna.
— Seu filho da puta! — Djinn grita. — Como ousa me subjugar?!
— Isso é jeito de tratar o seu senhor? O mestre da maledicência?
— Caandris, o que você está fazendo? — Falo juntando minhas forças.
— Eu? Eu estou prestes a reconquistar o inferno e fazer meu primeiro desejo, gostou do meu plano?